A Pirâmide

8

A parábola das horas
Traça no espaço os trilhos da memória:
Um resíduo de tempo persiste,
imprime uma lembrança ténue,
imperceptível nervura no rosto
acumulado dos dias.
O pensamento adensa em aluviões
instáveis, como um rio que correndo
logo se depurasse em seus elementos.
Longe, na jusante, pequenas camadas
de areia fina se sobrepõem
e ligam a pirâmide que do tempo
flui. Os dias inscrevem-se na face
polida da madrepérola, no cerne
amargo das árvores e ali dura
o que deles resta. A mordedura
suave do tempo é incolor
mas dela sobra um frágil fulgor
beliscando a neblina cerrada.

1964

[fragmento de «A Pirâmide»]